David Wallace-Wells, em A Terra Inabitável, reflete que optamos por não discutir um mundo 2°C mais quente por questão de etiqueta, ou medo de apregoar o medo, ou uma fé tecnocrática, que é, na realidade, uma fé no mercado e no desenvolvimento tecnológico que resolverá o problema que foi criado. Ou pelo desinteresse pelos ecossistemas e populações remotos.

Segundo o mesmo autor, há uma demora em captar a velocidade da mudança, para além do fato de que somos dotados de uma convicção quase conspiratória na responsabilidade das elites globais e suas instituições, ou de obediência a essas elites e instituições. Foram elas que moldaram nossos padrões de pensamento e forma de raciocínio.

Descarbonização, mudanças climáticas, são problemas das elites e para o cidadão comum, tratam-se de questões muito distante do dia a dia: manter o emprego, pagar as contas, criar os filhos e sobreviver.

Para além disso, o autor coloca que, em 2050, espera-se que a inclinação ocidental dos gostos e costumes aumente em 35% as emissões de gases de efeito estufa, pelo aumento do consumo de alimentos, eletricidade, automóveis, dietas ricas em proteína, hábitos que emergirão das classes consumidoras – o destino climático mundial será moldado, segundo alguns autores, pelos padrões de desenvolvimento da China e da Índia, cujo trágico fardo é integrar muitas centenas de milhões de pessoas à classe média global (David Wallace-Wells).

Analogamente, Al Gore, ex-vice presidente dos Estados Unidos e ativista ambiental, chamou atenção em seu discurso de abertura na COP28 – Conferência das Partes sobre o Clima esse ano em Dubai – de que colocar a organização da conferência do clima nas mãos de um representante de uma empresa de petróleo, e em um país grande produtor desviaram o mundo das questões principais a serem discutidas, minaram a confiança e a integridade do sistema e do público em relação ao exercício – são os combustíveis fósseis os maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta.

Hoje, este setor é 60% da matriz energética mundial e responsável por 80% das emissões de gases de efeito estufa. Ou seja, faz todo sentido ter uma ação contundente, pragmática e rápida em cima das emissões provenientes do uso dos combustíveis fosseis para reprimir essas emissões, no intuito de conter o aquecimento global.

É sabido que a complexidade da ordenança climática está longe de um consenso.

Mas alguns caminhos já foram pavimentados e são amplamente conhecidos e reconhecidos, e por óbvio, a humanidade não pode andar para trás.

Estes caminhos passam por redução do consumo de combustíveis, captura e sequestro de carbono, renovação da matriz energética com energia eólica e solar, descarbonização de processos produtivos com o uso do hidrogênio verde, fim do desmatamento, por exemplo, e eletrificar o que for eletrificável.

Todavia, as mudanças climáticas não são o único enfrentamento que o planeta e a humanidade têm nas mãos no momento: um considerável número de conflitos irascíveis, desigualdades de todas as ordens e inúmeros outros problemas insolúveis são o palco onde se encontram os desafios climáticos.

Ao mesmo tempo, há um contrassenso quando empresas de vários segmentos reduzem seus investimentos em descarbonização e o número de casos de greenwashing aumenta exponencialmente (epbr).

Há uma deficiência em ações corporativas voluntárias, na medição das emissões de GEE, na redução da pegada de carbono e no compromisso real e transparente com a sociedade. Para mencionar apenas um segmento, o fosso entre as metas de descarbonização e a produção de hidrocarbonetos no mundo inteiro só aumenta.

Segundo dados da ONU, as estimativas de produção de combustíveis fósseis dos governos de 20 grandes países produtores, incluindo os Estados Unidos, a Rússia, o México e os Emirados Árabes são de 2,5 vezes mais combustíveis fósseis em 2050 do que seria possível com um objetivo de dois graus Celsius. Trata-se de uma corrida para produzir enquanto a licença social permitir.

Precisamos de mais regulação, coloca John Lang da Net Zero Tracker. Falta regulação e o normativo que imponha a redução das emissões de GEE pela força da Lei. Que induzam a demanda pelas energias renováveis como incentivo de mercado. Que incentivem o gerenciamento pelo lado da demanda. Falta tributar o carbono emitido e não compensado. Falta trazer a sociedade para o debate. E arcar com as consequências.

Acordos históricos
Ansgar Pinkowski discorre em suas palestras sobre como a humanidade lidou com o buraco na camada de ozônio e com as mudanças do clima. Os dois problemas foram descobertos pelos cientistas ao mesmo tempo, estando, certamente, interligados.

Contudo, o buraco na camada de ozônio foi “resolvido” com um acordo histórico, assinado em Montreal em 1987 para eliminar a emissão de aerossóis de clorofluorcarbono (CFC) por meio de leis impostas pelos governos.

A dispersão dessas partículas industriais na atmosfera colocava em risco a fina camada, essencial para a preservação da vida terrestre. Ademais, o afinamento da camada aumentava a incidência de casos de câncer de pele e todos nós passamos a usar quantidades industriais de protetor solar, até na sombra. Apregoou-se o medo e a imposição da norma funcionou.

Já se sabem os caminhos para a estabilidade da temperatura da terra, já se detêm as tecnologias, já se conhecem os problemas e os sofrimentos que causam, as soluções já foram endereçadas e já existem inúmeros acordos científicos e filosóficos. Falta governo e governança global.

De uma forma ou de outra, a transição energética é uma oportunidade histórica para o Brasil e para o mundo e o hidrogênio verde tem a capacidade de ser um grande vetor desse salto econômico, social e ambiental.

O H2V representa uma fonte de energia limpa e renovável, que pode impulsionar a diversificação da matriz energética, reduzir as emissões de gases de efeito estufa por meio da descarbonização de processos produtivos de vários setores econômicos nacionais como siderurgia, petróleo – estendendo a cauda de vida útil do petróleo no mercado desde que haja baixa emissão de carbono –, fertilizantes e setores de difícil abatimento.

Transborda essa pauta o posicionamento do Brasil e seus dirigentes como protagonistas dessa mudança e da criação de uma nova indústria (e quiçá, a exportação de produtos de maior valor agregado) com uma tecnologia inovadora, sofisticada e sustentável.

* Fernanda Delgado é Diretora Executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde), professora na FGV e co-criadora dos projetos “Sim, Elas Existem!” e “EmpodereC”.

Autor/Veículo: EPBR

Published On: 26 de janeiro de 2024

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