Governo e Congresso têm feito movimentos na área fiscal que já colocam em alerta os especialistas em contas públicas. Economistas ouvidos pelo Estadão apontam perda de transparência e “irrealismo” orçamentário em meio a propostas que alteram a contabilidade federal e modificam o novo arcabouço fiscal, antes mesmo de a regra entrar plenamente em vigor. Há quem veja, inclusive, a volta da chamada contabilidade criativa.

No rol de medidas, as mais recentes são a tentativa de reduzir um eventual bloqueio de gastos em 2024, para “blindar” os investimentos e emendas em ano de eleição municipal, e a engenharia financeira para viabilizar um novo programa voltado a alunos de baixa renda do ensino médio. A medida educacional é vista como meritória e de custo fiscal relativamente baixo, mas recebe críticas por já ter nascido fora do limite de gastos.

Por enquanto, essas propostas vêm sendo ofuscadas por um cenário externo mais favorável, devido à perspectiva de corte de juros nos Estados Unidos

e na Europa nos primeiros meses de 2024. Isso deve aumentar o apetite de investidores estrangeiros por ativos emergentes, incluindo o mercado acionário brasileiro – em novembro, a B3 teve entrada líquida de R$ 21 bilhões em recursos externos, a maior desde 2020. O problema, alertam os economistas, será quando essa maré baixar e as fragilidades fiscais – e suas consequências – ficarem mais evidentes.

“Isso não ajuda. A gente já tem uma regra fiscal mais frouxa (o arcabouço, na comparação com o antigo teto de gastos). E agora não temos mais certeza do compromisso do governo com a regra, pelos comentários do presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) sobre o contingenciamento (bloqueio preventivo de despesas)”, afirma Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, para quem existe uma tentativa de andar para trás no caminho trilhado ao longo dos últimos anos, de aperfeiçoamento da contabilidade do País.

No fim de outubro, Lula afirmou a jornalistas que o governo “dificilmente” cumpriria a meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024, uma vez que não havia disposição para cortar investimentos.

A fala evidenciou o embate fiscal entre as alas política e econômica dentro do governo, e exigiu articulação por parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que saiu vitorioso. A meta zero foi mantida, mas com o compromisso de que o contingenciamento ficaria em torno de R$ 23 bilhões – praticamente metade do montante inicialmente previsto, de R$ 53 bilhões. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo

Published On: 5 de dezembro de 2023

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