A agência de classificação de risco Moody’s anunciou ontem a elevação da nota de crédito do Brasil de Ba2 para Ba1, deixando o País a apenas um degrau do chamado grau de investimento – o selo de bom pagador. A perspectiva para o rating brasileiro também continua positiva. A elevação da nota acontece exatamente cinco meses depois de a agência ter mudado de “estável” para “positiva” a perspectiva para o rating do País.

“A elevação reflete melhoras materiais no crédito, que esperamos que continuem, incluindo um crescimento mais robusto do que o anteriormente estimado e um histórico crescente de reformas fiscais e econômicas que emprestam resiliência ao perfil de crédito”, disse a Moody’s, em comunicado.

A agência ressaltou, porém, que a credibilidade do arcabouço fiscal é ainda “moderada”, e que isso se reflete no custo “relativamente elevado” da dívida do País. “Um crescimento mais robusto e uma política fiscal consistentemente aderente ao arcabouço permitirão que a dívida se estabilize no médio prazo, ainda que em níveis relativamente elevados.”

Ao comentar a elevação do rating, o ministro da Fazenda, Fernando

Haddad, disse que “o relatório da Moody’s está em linha com o que defendemos”. “Eu penso que, se o governo, como um todo, compreender que vale a pena esse esforço, que esse esforço que está sendo feito produz os melhores resultados, e continuarmos sem baixar a guarda em relação às despesas, em relação às receitas, fazendo o nosso trabalho, acredito realmente que nós temos chance de completar o mandato do presidente Lula obtendo o grau de investimento”, disse Haddad.

O Brasil recebeu o grau de investimento pela primeira vez em abril de 2008, no segundo mandato do presidente Lula, mas o perdeu em setembro de 2015, na gestão Dilma Rousseff.

O rating, ou a classificação de risco, é uma nota que as agências especializadas atribuem a um país, empresa ou projeto. E indica a qualidade de crédito do emissor de títulos. Quanto mais alta for essa nota, menor o risco de calote do emissor (país ou empresa). Muitos fundos de pensão internacionais, por exemplo, têm autorização para comprar apenas títulos considerados pelas agências como “investment grade” (grau de investimento).

Na avaliação das duas outras grandes agências de rating – a S&P e a Fitch –, o Brasil continua também sendo um país de grau “especulativo” para investir.

Sócio da Tendências Consultoria, o ex-ministro Maílson da Nóbrega viu como positiva a elevação da nota do País, mas, a exemplo de outros economistas, tem dúvidas sobre a eficácia da política fiscal (mais informações na pág. B2). “Acho pouco provável que o grau de investimento volte na gestão de Lula porque as agências olham a rigidez orçamentária que impede a geração de superávits para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB. Esse é o elemento essencial para restabelecer o ‘investment grade’.”

Com incerteza fiscal, decisão surpreende especialistas

A decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar para Ba1 o rating do Brasil – deixando o País a um degrau de retomar o chamado grau de investimento – surpreendeu analistas do mercado financeiro, para os quais o anúncio ocorre em um momento de aumento de incertezas sobre a solidez da atual política fiscal do governo.

“Surpreendeu muito os analistas, que estão cada vez mais preocupados com a ascensão da dívida pública, em paralelo a juros reais muito elevados, apesar do contexto cíclico muito favorável”, afirmou Carlos Kawall, exsecretário do Tesouro e sóciofundador da Oriz Partners. “É como se a decisão (da Moody’s) fosse mais retrospectiva, levando em conta o que o Brasil já conquistou em crescimento com base em reformas, e menos prospectiva, considerando as projeções e inquietações sobre o futuro da sustentabilidade fiscal.”

Economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack vai na mesma direção, ressaltando que, desde o início do ano, houve deterioração da percepção sobre a política fiscal – com muito esforço do governo na ponta da arrecadação, mas pouco no que se refere a corte de gastos. “Provavelmente, isso (a decisão da Moody’s) deve impactar positivamente os ativos domésticos, mas definitivamente não muda a percepção de risco que o mercado tem em relação à condução das contas públicas”, disse ela.

Ao justificar a mudança de rating, a Moody’s afirmou que levou em conta “melhoras materiais no crédito”, mas ressaltou também que a credibilidade do arcabouço fiscal ainda é “moderada”, o que se reflete no custo “relativamente elevado” da dívida interna.

‘PESO’. Para o estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, a Moody’s parece ter colocado um peso maior nos dados de crescimento econômico ao elevar a nota do Brasil. “O Brasil está caminhando para o terceiro ano seguido com crescimento perto dos 3%, sem dúvida isso deve ter pesado”, afirmou.

Mas chama a atenção, segundo Cruz, o fato de a mudança vir em um momento de maior dúvida sobre a política fiscal. “Não deixa de ser diferente do que o que a Fitch falou na semana passada”, disse. “Mesmo assim, é uma notícia muito positiva.” Na semana passada, a Fitch divulgou relatório dizendo que o crescimento do PIB não elimina os desafios fiscais do País.

O mercado se comportou bem após a notícia de elevação do rating brasileiro pela Moody’s, mas o que deve prevalecer vai ser o quanto os investidores vão demandar de prêmio para carregar a dívida pública, afirmou a diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour. “Essa classificação, de uma agência só, não vai ser suficiente para gerar uma melhora de mercado, de preço de ativos.”

Segundo ela, há ausência de fluxo de recursos estrangeiros para países emergentes, incluindo o Brasil, ainda que o cenário externo esteja favorável com queda de juros nos Estados Unidos e perspectivas de estímulos na China.

Na política monetária, Solange vê intensificação do ritmo de alta da Selic, para 0,50 ponto porcentual. “Teria de vir uma notícia muito positiva, que não essa de upgrade, mas uma notícia de fundamento positiva, como algum anúncio fiscal relevante, para conseguir baixar as expectativas de inflação.”

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
Published On: 2 de outubro de 2024

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