O governo enfrenta um dilema quando se trata da política energética. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apresenta como um líder contra a crise climática global, ao mesmo tempo, continua investindo e incentivando a exploração de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo. No início do mês, a Petrobras anunciou que descobriu petróleo em águas ultra profundas da Bacia Potiguar, no poço exploratório Anhangá. O reservatório fica próximo à divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, a cerca de 190 km de Fortaleza e 250 km de Natal, a 2.196 metros de profundidade, na Margem Equatorial brasileira.

A Petrobras é a principal interessada no petróleo da região, que é uma área com mais de 2,2 mil km de litoral, e planeja investir US$ 7,5 bilhões em exploração até 2028, sendo US$ 3,1 bilhões na Margem Equatorial. Ao mesmo tempo, o governo faz a propaganda dos programas focados em transição energética.

No final do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou três projetos de lei relacionados à transição ecológica, e o Planalto tem pressionado o Senado para que as propostas avancem. Os textos tratam dos combustíveis do futuro, da criação de um mercado de carbono e da regulamentação da exploração de energia eólica em alto mar.

Quando o assunto é petróleo, o governo defende que investir na exploração pode financiar novas fontes de energia. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, tem comentado que a exploração na margem equatorial pode servir para impulsionar a economia regional e garantir recursos para a transição energética do Brasil.

De acordo com um estudo realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), a produção de petróleo e gás na região tem o potencial de gerar 326 mil empregos formais no Brasil. Caso as expectativas em relação às reservas se confirmem, estima-se um acréscimo de R$ 65 bilhões ao PIB (Produto Interno Bruto) da região anualmente.

A transição energética é um processo gradual e complexo, onde o petróleo ainda tem relevância, na avaliação do advogado especializado em direito ambiental Alessandro Azzoni. Ele destaca que as reservas petrolíferas também são estratégicas para o Brasil, porque podem diminuir a dependência do país do mercado externo.

“A transição energética ocorrerá gradualmente, não de forma imediata. A maioria das matrizes energéticas ainda depende de derivados de petróleo e combustíveis fósseis, o que indica um amplo mercado para esses recursos. Realizar essa transição é um processo lento e complexo de implementação. Portanto, considero que duas coisas são essenciais: o mundo ainda depende do consumo de combustíveis fósseis, e as reservas de petróleo brasileiras podem ajudar a reduzir nossa dependência externa.” – (ALESSANDRO AZZONI, ADVOGADO ESPECIALIZADO EM DIREITO AMBIENTAL)

No entanto, o especialista ressalta a necessidade de novas tecnologias e uma licença ambiental rigorosa da Petrobras, além de uma fiscalização eficaz. Ele acredita que essa possibilidade da exploração existe, mas é fundamental que o governo exija que a estatal cumpra com essas exigências, e que os lucros gerados pela operação sejam investidos em energias renováveis.

“É muito importante garantir uma forte condição ambiental para proteger especialmente uma região tão vasta como a Amazônia. Acredito que essa possibilidade [da exploração na Foz do Amazonas] existe, mas cabe ao governo impulsioná-la, exigindo que a Petrobras cumpra com esses requisitos. Além disso, os lucros gerados pela operação devem ser direcionados para investimentos em energias renováveis”, completa.

João Victor Basilio de Barros, jurista especializado em projetos de infraestrutura, afirma que, na prática, o Brasil tem mantido um equilíbrio entre a exploração de petróleo e gás e o desenvolvimento de energias limpas ao longo das últimas décadas. Ele cita que enquanto se tornava um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o país também alcançou o sexto lugar no ranking global de capacidade instalada de energia.

As instituições deveriam atuar de modo efetivo visando solucionar tal antagonismo quanto antes. A disputa é totalmente legítima, em razão dos aspectos ambientais, sociais e políticos envolvidos e, também, considerando a dinâmica inerente a um regime democrático. Contudo, não podemos desconsiderar que as discussões sobre a exploração de recursos naturais e o chamado ‘desenvolvimento sustentável’ já estão bastante avançadas no país e no mundo. São inúmeros os exemplos de exploração e produção de petróleo e gás em territórios marítimos pelo planeta, tais como o Mar do Norte, o Golfo do México e até mesmo a Guiana, ao lado. – (JOÃO VICTOR BASILIO DE BARROS, JURISTA ESPECIALISTA EM PROJETOS DE INFRAESTRUTURA)

O especialista opina que o governo e a Petrobras estão seguindo na direção certa ao adotar uma estratégia de transição energética, alinhada com o movimento global. Isso porque, segundo ele, é importante pontuar que as fontes de energia renovável ainda não conseguem suprir totalmente a demanda por combustíveis fósseis no Brasil, um grande exportador de petróleo bruto.

“O Brasil é hoje um grande exportador de petróleo bruto, tendo o petróleo sido o 2º produto da pauta exportadora brasileira, em 2023, e, portanto, o país precisará de mais tempo para substituir sua necessidade atual por divisas internacionais e arrecadação de tributos e royalties, por exemplo, oriundas da produção de petróleo e gás natural. Não há, assim, uma contradição. Inclusive, é possível pensar em um futuro em que parte da cadeia produtiva e das infraestruturas construídas para projetos de petróleo e gás natural, tais como portos, estaleiros, dutos e indústrias, possam ser adaptadas para empreendimentos da transição energética, tais como biometano e eólicas offshore”, completa.

“Transição energética é urgente”

A ex-presidente do Ibama e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, destaca que a posição do governo brasileiro na área de energia contradiz a proposta de liderar em questões ambientais globalmente.

“O governo fala bastante em transição energética, mas a prática nesse tema tem sido a priorização dos combustíveis fósseis. Não dá para ser um exemplo para o mundo em política ambiental e, ao mesmo tempo, membro da Opep+. O Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo, produzimos mais do que o suficiente para nossa demanda interna.” – (SUELY ARAÚJO, EX-PRESIDENTE DO IBAMA E COORDENADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA)

A especialista aponta uma discrepância entre os cronogramas da exploração de petróleo e a urgência da transição para fontes de energia renovável. Mesmo que o Ibama conceda licenças para perfuração e a Petrobras encontre petróleo em quantidades viáveis, o processo de produção pode levar de 6 a 10 anos para começar.

Além disso, muitos blocos na mesma bacia sedimentar estão em estágios iniciais ou ainda não foram leiloados, o que significa que a produção real está a uma década ou mais de distância.

“Estamos falando em produção para daqui a 10 ou 15 anos, até mais, em alguns casos. Se tivermos de esperar até 2040 para financiar fontes renováveis no país, morreremos tostados ou cozidos. Para mim, esse discurso lembra o dos líderes que defendem financiar a guerra para conseguir a paz.” – (SUELY ARAÚJO, EX-PRESIDENTE DO IBAMA E COORDENADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA)

Na mesma linha, o presidente do Observatório Internacional da Juventude (OIJ), Daniel Calarco, destaca que o dilema em torno da exploração de petróleo e os consequentes riscos ambientais são reflexos da complexidade das decisões governamentais, que devem conciliar interesses econômicos imediatos com a proteção ambiental a longo prazo.

“O desafio vai além da técnica. Em um momento de arrochos financeiros e de crises no Palácio do Planalto, é normal que seus ministros lutem pelo espaço, protagonismo e recurso necessário para entregar nas suas pastas. De um lado, o Ministério de Minas e Energias não pode ignorar uma das maiores reservas de pressão encontradas na modernidade, enquanto a ministra Marina Silva, símbolo mundial da preservação ambiental, não pode aceitar que esse processo seja feito de qualquer maneira, colocando em risco todos os ganhos da sua política de proteção ambiental e de ação climática”, analisa.

“É uma disputa grande, que cada vez se torna mais complexa, que recentemente envolveu, inclusive, a Advocacia-Geral da União e o presidente da Petrobras, que também figuram em polos opostos sobre como, quando e se o petróleo será explorado naquela região”, conclui.

Margem Equatorial pode ter reservas de 30 bilhões de barris

A disputa também é grandiosa em números. Segundo projeções da Petrobras, a Margem Equatorial pode ter reservas de 30 bilhões de barris de petróleo. O que poderia elevar a produção em 1,106 mil barris por dia a partir de 2029.

“Se todo esse petróleo for realmente queimado, estamos falando de uma emissão que vai variar entre 4 e 13 bilhões de toneladas de gás carbônico, o gás CO2, que é um dos principais gases de efeito estufa. É um volume que se assemelha com a quantidade de emissão de países como os Estados Unidos e a China, que emitem isso em um ano, sendo os maiores poluentes do mundo”, completa Calarco.

“Quando falamos sobre transição energética, falamos também sobre o futuro do planeta. Não temos chances para errar. Então, é importante que o Brasil determine métodos, processos, fatores e autoridades que nós possamos cobrar e construir juntos um sistema que garanta que a nossa população e o nosso planeta estejam no centro da agenda de desenvolvimento.” – (DANIEL CALARCO, PRESIDENTE DO OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL DA JUVENTUDE)

Autor/Veículo: R7
Published On: 23 de abril de 2024

Últimas Noticias

Compartilhe este conteúdo!