O Conselho de Administração da Vale tem até 26 de janeiro para decidir sobre a recondução ou substituição do atual CEO da empresa, Eduardo Bartolomeo. O Estadão/Broadcast ouviu de pessoas familiarizadas com o processo que, além do desempenho técnico do executivo, a desenvoltura junto aos governos federal e estaduais será abordada nas rodadas de conversas entre os conselheiros, previstas para as próximas semanas.

Para apoiar a decisão, o conselho contratou uma empresa para elaborar um raio-X de Bartolomeo. Como parte desta etapa, os conselheiros serão indagados sobre o CEO. As observações devem ajudar a moldar a gestão nos próximos três anos. Caso o executivo seja reconduzido, o conselho deve buscar um papel mais relevante no dia a dia da companhia, segundo pessoas próximas da empresa.

Na visão de uma parte do conselho, a Vale precisa azeitar melhor o trânsito em Brasília e nos governos de Estados onde atua, a fim de acelerar a obtenção de licenças, garantir concessões, desatar processos e ser ouvida a respeito de legislações. Ao mesmo tempo, esses representantes dos acionistas estão atentos para evitar que a política entre na companhia, como já aconteceu no passado.

Pelas normas da mineradora, o processo de sucessão tem de ser iniciado entre 6 e 4 meses antes do fim do mandato do presidente, que termina no final de maio. Se Bartolomeo não for reconduzido, uma consultoria especializada vai elaborar uma lista tríplice para que o conselho escolha outro executivo.

Engenheiro de formação, Eduardo Bartolomeo assumiu a presidência da Vale em 2019, após o desastre de Brumadinho — considerado o pior momento da companhia, abalada pela morte de 272 pessoas. Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast no início deste mês, ele disse que gostaria de permanecer no posto e concluir os projetos que vem desenvolvendo e estão começando a frutificar. “Eu não gostaria de sair agora, com um projeto incompleto.”

Os avanços em segurança — incluindo o programa de descaracterização de barragens a montante, tópico delicado após a tragédia de 2019 — e a robusta distribuição de dividendos são pontos a favor de Bartolomeo. Desde 2020, a companhia entregou US$ 29 bilhões aos acionistas. Além disso, o CEO conduziu a remodelagem da mineradora, com a criação da promissora unidade de metais básicos, a VBM, e a venda de operações que não faziam parte da atividade principal, como a participação em siderúrgicas.

“Ele fez a reconstrução da Vale, uma obra administrativa de alta qualidade”, avaliou uma pessoa ligada à empresa, citando o avanço no nicho de aglomerados, que proporciona maior valor agregado às vendas da companhia.

Por outro lado, a mineradora ainda não teve êxito em elevar significativamente os volumes de produção, com reflexos nos custos de operação, considerados altos. Para virar a mesa, a Vale precisa acelerar a obtenção de licenças, o que exige uma dose de boa vontade do poder público nos Estados. “O diálogo produtivo para expandir a produção seria um ganha-ganha, pois a exportação de minério traz recursos e tem peso no saldo da balança comercial, junto com o agronegócio e o petróleo”, destacou uma pessoa ligada à companhia.

Ação e resultados

Bartolomeo é considerado um homem de ação e resultados, mas pouca atenção à diplomacia. Nos últimos meses, porém, mostrou disposição para transitar junto ao governo. Em clima de cordialidade, participou de evento no Rio, em novembro, ao lado de Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, e Jean Paul Prates, presidente da Petrobras. Em setembro, a Vale havia assinado um protocolo de intenções com a petroleira para soluções de baixo carbono, numa parceria de dois anos.

Há poucas semanas, o executivo se juntou a Jorge Viana, presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), em missão ao Oriente Médio. Na época, se reuniu com o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Em setembro, teve encontro com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“Ele está se soltando, lançando pontes e mostrando que tem capacidade de manter boas relações com o poder público”, disse um conselheiro sob condição de anonimato. “O governo sempre é importante em áreas complexas de atividade econômica.”

Um pecado do executivo, aos olhos de Lula, teria sido a nomeação, para diretor de assuntos regulatórios, de Marcelo Sampaio, ex-número dois de Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura de Bolsonaro e atual governador de São Paulo. Sampaio é genro do general Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro.

Além disso, de acordo com pessoas familiarizadas com o dia a dia da Vale, o Planalto estaria mais satisfeito se a gigante da mineração buscasse, em seus projetos, maior alinhamento com o “interesse público”, por exemplo, planejando ferrovias que favoreçam o fluxo de passageiros.

A boa disposição do governo federal ajudaria a desatar o nó da repactuação do acordo sobre a tragédia de Mariana, em 2015, apurou o Estadão/Broadcast. Na época, uma barragem da Samarco (que pertence à Vale e à BHP) se rompeu, levando à morte de 19 pessoas e a um desastre ambiental.

Recentemente, em evento com analistas e investidores, Bartolomeo disse que a Vale quer chegar a um acordo no caso de Mariana semelhante ao que conseguiu em Brumadinho. Em 2021, foi celebrado um acordo judicial para reparação integral, no total de R$ 37,7 bilhões. Já no caso de Mariana, as negociações se arrastam, trazendo insegurança jurídica, com as autoridades públicas insistindo em R$ 126 bilhões para fechar o acordo. Uma decisão política, no entendimento de observadores, poderia ajudar a desatar o nó.

Blindagem

Desde meados do ano, rumores sobre a intenção do governo federal de interferir no processo de sucessão afetaram as conversas sobre o tema. O presidente Lula teria a intenção de colocar na cadeira de presidente da Vale o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. O nome não foi bem recebido pelo mercado, muito menos o aceno de ingerência.

Em agosto, o Citi avaliou em relatório como “bastante improvável” a troca do CEO da mineradora. “O governo brasileiro é um importante stakeholder da Vale, ao lado de empregados, comunidades, acionistas, mas, de acordo com o estatuto da Vale, selecionar o CEO é responsabilidade do Conselho de Administração (Artigo 14)”, lembraram os analistas do banco.

“O conselho teria de ser convencido de que uma mudança seria benéfica para a companhia. O conselho atual tem forte presença de membros independentes que representam uma base de acionistas diversificada.”

Essa situação teria mostrado, para o presidente da República, que as coisas não são mais como em 2011, quando o petista influenciou na saída de Roger Agnelli do comando da Vale. Desde 2017, quando a mineradora se tornou uma “corporation”, como são chamadas as empresas sem controle definido, a Vale adotou uma série de medidas para evitar a ingerência política em sua operação. E, em 2021, o BNDESPar, braço de participações do BNDES, finalizou a venda das ações da Vale que ainda mantinha. “As decisões agora são tomadas dentro da nova governança”, frisou uma pessoa ligada à empresa.

O Conselho de Administração da Vale é formado por 13 conselheiros, sendo 8 independentes. Destes, três são estrangeiros, com experiência em mineração. Sobre eles, recai a expectativa de avaliações “técnicas”, mais que políticas. Há ainda um estrangeiro ligado ao segundo maior sócio individual, o conglomerado japonês Mitsui, que detém 6,31% do capital social da companhia.

A maior acionista individual da Vale, com 8,71%, é a Previ, fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, que deve puxar a oposição a Bartolomeo, de acordo com pessoas que acompanham as discussões. A entidade fez duas indicações para o conselho, e sua capacidade de influenciar os outros conselheiros será determinante para o futuro de Bartolomeo na Vale.

Novos nomes

Enquanto os conselheiros observam o panorama, nomes de executivos conhecidos entram no páreo das especulações. Um deles é o de Luis Henrique Guimarães, conselheiro da Vale e ex-CEO da Cosan, do empresário Rubens Ometto, que tem uma fatia de 4,9% no capital da mineradora. Outro é o de Walter Schalka, CEO da Suzano. Eduardo Parente, presidente do grupo de educação Yduqs, também foi lembrado em conversas de bastidores.

Nenhum deles, porém, chega a ser notório pelos laços com Brasília.

Também foi ventilado o nome de Paulo Rogério Caffarelli, ex-CEO da Cielo e do Banco do Brasil, que hoje comanda a holding financeira Simpar. O executivo teve experiência no setor público: foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda, de 2014 a 2015, na gestão de Dilma Rousseff.

Autor/Veículo: O Estado de São Paulo

Published On: 2 de janeiro de 2024

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