O primeiro ano de um novo governo é sempre observado de perto pelos agentes de mercado, em busca de sinais que ajudem a traçar um diagnóstico de o que esperar para os próximos três anos. No seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva não escapou do olhar atento dos investidores.

A reforma tributária na reta final e um ambiente político “levemente estável”, segundo analistas, ajudaram a criar as condições para a Bolsa encerrar o ano em alta, embora o mercado avalie que, em muitos aspectos, o governo mais atrapalhou do que ajudou.

A atuação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, surpreendeu positivamente os investidores, com a criação do novo arcabouço fiscal e a defesa da meta de déficit zero para 2024. Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, aponta que Haddad conseguiu converter as incertezas póseleição em aprovação do mercado e do Congresso no primeiro semestre. “A aprovação do arcabouço fiscal ajudou a ancorar as expectativas do (boletim) Focus. Apesar de não ser o melhor arcabouço, o texto trazia regras claras, e previsibilidade é uma regra importante no mercado.”

Para os analistas, porém, a situação desandou após os atritos entre o ministro e Lula acerca da meta fiscal, e de Haddad com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

“Agora temos um arcabouço que mal começou e o governo já quer mudar as regras, o que é ruim. Podemos ter um círculo virtuoso em 2024 se o governo conseguir mitigar os riscos fiscais”, diz Sung.

Entre janeiro e novembro, o Ibovespa acumulou uma valorização de 16,04%, de volta ao patamar de 128 mil pontos pela primeira vez desde meados de 2021. Para analistas consultados pelo E-Investidor, a valorização de 2023 está mais relacionada com a queda dos juros nos Estados Unidos do que com o cenário local.

Sócio-fundador e analista de ações da Nord Research, Bruce Barbosa afirma que o desempenho da Bolsa poderia ter sido ainda melhor se o governo respeitasse o limite de despesas do arcabouço fiscal. “A Bolsa poderia ter subido muito mais se o Lula 3 fosse mais parecido com o Lula 1, quando ele fez o superávit primário de 3% do PIB, na época do Palocci no Ministério da Fazenda. Esse primeiro ano foi muito parecido com o Lula 2, quando se partia do princípio de que o Estado era o indutor do crescimento”, critica.

Ainda assim, a alta acumulada pelo principal índice de referência da Bolsa brasileira é quase quatro vezes superior ao desempenho de 2022, quando o Ibovespa ficou em 4,69%.

SINAIS POSITIVOS.

Apesar do ruído político, havia no cenário outros pontos que ajudaram a sustentar essa valorização: a queda da inflação, o início do ciclo de cortes na taxa básica de juros e o fluxo de capital estrangeiro em alta na B3.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses era de 5,77% em janeiro. Em outubro, caiu para 4,82%; um patamar muito próximo do limite máximo da meta de inflação para 2023, de 4,75%. O arrefecimento dos preços permitiu que o Banco Central iniciasse em agosto o afrouxamento monetário, depois de um ciclo que levou a Selic a 13,75% ao ano. A taxa foi reduzida em 1,5 ponto porcentual ao longo do 2.º semestre e agora está em 12,25% ao ano.

Com os preços em queda devolvendo poder de compra à população e a redução dos juros aliviando o caminho para as empresas, abriu-se espaço para uma recuperação das companhias na Bolsa.

O ano também foi positivo para o câmbio. O dólar, que começou o ano em R$ 5,23, atualmente é cotado na casa de R$ 4,88 – muito longe das projeções da época da eleição, que previam disparada da moeda americana acima dos R$ 5,40.

O primeiro semestre de 2023 foi, inclusive, marcado por um recorde: a maior valorização do real frente ao dólar nos primeiros seis meses de um mandato presidencial no Brasil desde 2007, ano da segunda eleição de Lula à Presidência. Até o final de junho, a divisa americana caía 6,93% frente à brasileira, a R$ 4,85.

À época, o avanço de pautas fiscais no Brasil, com a votação do arcabouço fiscal e o andamento da reforma tributária, trouxe uma perspectiva mais clara de controle do crescimento da dívida pública, o que aumentou a confiança no País e atraiu a entrada de capital estrangeiro. “Esse movimento também foi impulsionado por um contexto político e econômico mais estável no Brasil, enquanto os Estados Unidos enfrentavam desafios relacionados ao crescimento da dívida, incluindo riscos de paralisação do governo”, explica Diego Costa, head de câmbio para Norte e Nordeste da B&T Câmbio.

No segundo semestre, no entanto, o dólar voltou a subir. A moeda encerrou julho no menor patamar do ano, em R$ 4,73, mas já em agosto engatou uma trajetória de alta que durou até novembro. No dia 6 de outubro, o dólar chegou a bater em R$ 5,19. A projeção do mercado, segundo o Focus, é que a moeda americana termine o ano em R$ 5. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo

Published On: 4 de dezembro de 2023

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