09/05/2022
O lucro da Petrobras, no primeiro trimestre, de R$ 44,56 bilhões, deve ser motivo de “orgulho”, diz Décio Oddone, ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). “Esse é o papel social de uma companhia, gerar riqueza, impostos e empregos”, diz Oddone, que hoje preside a Enauta, uma petroleira de pequeno porte. Ele afirma que a Petrobras, como agente dominante no mercado, tem que seguir os preços internacionais para assegurar o abastecimento. É essa política que tem permitido que o suprimento não sofra interrupção, diz. No diesel, de 20% a 30% do consumo é suprido via importação e os agentes têm dificuldade de importar quando a Petrobras mantém preços defasados. Ele não vê como mudar a atual política de preços da Petrobras, prevê mais volatilidade e preços altos, no segundo semestre, e afirma, sem citar o presidente Jair Bolsonaro: “A Petrobras construiu governança robusta e a decisão sobre a política de preços não está baseada na vontade de uma única pessoa.” A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual é a solução para a crise dos combustíveis?
Décio Oddone: A solução é a privatização da Petrobras. Precisa deixar de viver no passado. O Brasil vive discutindo a indústria de energia como se estivesse na Guerra Fria. O Brasil precisa de investimento, não tem poupança, não tem como investir sem ajuda de capital externo. E os investidores precisam de estabilidade. Os preços devem seguir o mercado.
Valor: Mas privatizar não está no horizonte. Seguiremos em crise?
Oddone: A Petrobras tem mantido o respeito aos preços internacionais, o que é importante para que se tenha abastecimento de combustível no Brasil. Apesar de o país ser exportador de petróleo, importa, especialmente diesel. Entre 20% e 30% do diesel que o Brasil consome é importado. Os preços têm que seguir o exterior. Se não for assim, quem vai importar? É preciso raciocinar como mercado e não como empresa monopolista. A Petrobras é a maior fornecedora de diesel do Brasil, mas hoje há refinarias privadas e importadores.
Valor: Existe algum risco de desabastecimento?
Oddone: Não existe. Mas isso se os preços seguirem o mercado internacional. Havendo condições que permitam a importação, não há risco de desabastecimento no momento.
Valor: Os preços vão continuar com alta volatilidade?
Oddone: A volatilidade veio para ficar. A volatilidade extrema da guerra vai passar. Mas vai ficar a volatilidade do mundo atual, com mais incerteza. Não só em relação ao petróleo e gás, mas também com relação às variáveis econômicas [inflação e juros]. As sanções ao petróleo russo podem causar instabilidade. Tem ‘lockdowns’ na China, que diminuem o consumo. Mas quando isso acabar, também pode ter pressão de demanda. O segundo semestre pode ser período de preços altos de energia.
Valor: Qual é o reflexo no Brasil?
Oddone: Preços mais altos porque estamos inseridos nas cadeias globais. Os preços [no país] refletem preços internacionais.
Valor: Bolsonaro vai seguir reclamando até o fim do mandato?
Oddone: A insatisfação com os preços dos derivados de petróleo é global. O que precisamos é manter o norte e deixar os preços no Brasil flutuarem. Não é a Petrobras a única formadora de preços. Há os preços de refinarias privadas, os preços de importadores, e esses preços estão ligados aos preços de mercado. A alternativa seria fechar o capital da empresa.
Valor: O que pensa sobre taxar lucros extraordinários?
Oddone: Como o Brasil precisa de investimento, essa medida traria mais prejuízo do que benefício. Mas a utilização de tributos é ferramenta que está disponível para os governos. O Brasil vive situação diferente da que tinha décadas atrás. Éramos grande importador de petróleo. Alta do preço como a que a vemos hoje batia na balança de pagamentos e no preço interno dos derivados. Produzia déficit comercial em dólar e inflação. Agora o aumento dos preços nos beneficia através do aumento da arrecadação e da melhoria da balança de pagamentos. Há recursos que o governo pode usar para tomar medidas de contenção de preços.
Valor: O senhor é favorável a um subsídio para os caminhoneiros?
Oddone: Em princípio não, mas dado o momento de volatilidade que estamos vivendo é uma medida que seria, do ponto de vista político, legítima. O que pode ser feito, e foi discutido na greve dos caminhoneiros [em 2018] é adotar modelo semelhante ao dos Estados Unidos, nos anos 1980. Eles criaram sobretaxa para combustível em que a volatilidade do preço é repassada por quem está contratando o frete. A medida transfere o risco de volatilidade dos caminhoneiros e dos transportistas para o contratante do frete. É medida mais efetiva que a tabela de frete.
Valor: Continuaremos vendo mais inflação dos combustíveis?
Oddone: Pelo que estamos vendo, sim. Quando começou a guerra se estimava que a Rússia poderia até perder mais volume de exportação de petróleo do que aconteceu. Mas as sanções à Rússia podem tirar volume maior do mercado e podemos ter preços mais elevados.
Valor: O Brasil tem condições de aumentar a produção?
Oddone: De derivados, pouco. É usar a capacidade das refinarias mais 1% a 4%. A produção de petróleo e de gás é mais difícil porque os projetos demandam tempo e é difícil aumentar a produção não havendo capacidade ociosa disponível. Os Estados Unidos, com o ‘shale gas’, conseguem ter aumento de produção mais rápido.
Valor: O país pode se tornar menos dependente do petróleo?
Oddone: O Brasil tem uma matriz energética limpa e tem potencial enorme para biocombustíveis, hidrogênio, eólica e solar. Temos grande oportunidade com o aumento nos preços [do petróleo].
Valor: Surpreende o lucro da Petrobras no 1º trimestre?
Oddone: Surpreende positivamente e mostra a eficiência que a Petrobras alcançou. Deve ser motivo de orgulho. Ao ter esse lucro e distribuir dividendos e pagar impostos, a empresa cumpre função social e ajuda a ter recursos que podem ser utilizados de acordo com as políticas definidas pelo governo. Esse é o papel social de uma companhia, gerar riqueza, impostos e empregos. É um grande serviço que a Petrobras está fazendo ao país ao produzir esses resultados.
Valor: Se reajustar o diesel a curto prazo, o presidente da Petrobras será alvo de Bolsonaro?
Oddone: A Petrobras construiu governança robusta e a decisão sobre a política de preços não está baseada na vontade de uma única pessoa. É fruto de um processo de governança que dá robustez às decisões da companhia. Não acho que isso esteja em risco.
Valor: Tem como mudar a política de preços da companhia?
Oddone: Na prática não. A primeira lei que falou de preços derivados no Brasil, nos anos 1950, tratava da paridade de importação dizendo que os preços no Brasil tinham que ser correspondente aos preços internacionais porque importávamos produtos. Por décadas tentamos contrariar a realidade, tivemos a conta petróleo em que a Petrobras importava o petróleo, fazia um ‘equilíbrio’ e o governo ficava devendo a diferença à empresa. Isso foi resolvido até 2002, quando os preços foram liberados no Brasil, embora, em alguns momentos nos últimos 20 anos, os preços livres nem sempre estavam flutuando de acordo com o mercado. A partir de 2017, passamos a ter preços mais alinhados. É a única solução para um país de economia aberta, que importa e exporta.
Valor: Mas o que vimos neste governo foram intervenções claras.
Oddone: Mas os preços continuaram seguindo o mercado internacional. E isso tem permitido que o abastecimento no Brasil não tenha sofrido interrupção. Tem mais ruído político do que ação nesse processo.